Médica brasileira se diz satisfeita com formação e vida na Bolívia

Ítalo Milhomem
Direto de Santa Cruz de la Sierra

"Tive dificuldades para me formar. Primeiro, pelo preconceito. Eles acham que toda brasileira é p... por ser mais extrovertida", reclama a médica Rafaela
Crédito: Ítalo Milhomem, Especial para o Terra

  Depois de terminar o colégio na rede pública da cidade de Ariquemes, em Rondônia, Rafaela Vieira Mota se viu diante de um problema. Na universidade federal que atende a região, a Unir, não havia o curso de medicina. Como teria de sair de lá, optou por buscar a formação em outro país. "Sempre quis fazer medicina fora. Minha mãe viu um convênio pelo Ministério da Educação, que permite a estudantes estudarem em outros lugares da América do Sul. Acabei o ensino médio e já fui estudar em Sucre (Bolívia)", conta a brasileira, hoje com 29 anos e já formada.

  O convênio citado é o Andrés Bello (CAB), parceria entre países sul-americanos para desenvolvimento educacional, cultural e científico que uniformiza as disciplinas educacionais, permitindo que estudantes e pesquisadores possam estudar em diversas universidades, cujo currículo similar facilita na hora de revalidar o diploma. Foi através dele que Rafaela conseguiu transferência para a Universidade Autônoma de Gabriel Rene Moreno, em Santa Cruz de la Sierra, após seis meses na Universidad San Francisco Xavier de Chuquisaca. "Não sabia que tinha tanto brasileiro fazendo medicina nesta cidade", comenta.

"Não queria voltar como a menina do interior que foi estudar fora e retornou com uma filha como diploma"
Rafaela Mota, médica

  Os compatriotas, contudo, eram minoria nas universidades públicas bolivianas. A médica, que chegou em 2000 a Santa Cruz, notou que o processo de seleção local também era uma barreira para os brasileiros, que se concentram, geralmente, em faculdades particulares. "Poucos estudavam na universidade estatal. Existe um vestibular com 300 vagas, mas só os melhores conseguem entrar. Por não ter tanto brasileiro, o curso de medicina é melhor. Não tem muito aquele clima de oba-oba de morar fora de casa. Os estudantes são mais focados e aprendem melhor", afirma.

  Após dois anos de faculdade, Rafaela se apaixonou por um ex-professor, engravidou e se casou. Foi um período conturbado. "Tive dificuldades para me formar. Primeiro, pelo preconceito.

Eles acham que toda brasileira é p... por ser mais extrovertida. Eu me apaixonei, engravidei, fiquei muito mal, senti que tinha traído a confiança dos meus pais, pensei em desistir, mas não queria voltar para o Brasil como a menina do interior que foi estudar fora e retornou com uma filha como diploma", reflete.

  Rafaela se ergueu e foi em frente. Acabou o curso e voltou ao Brasil para revalidar o diploma. E apesar de ter estudado em uma universidade pública, que tem a grade curricular parecida com a de faculdades brasileiras, ela acredita que contou com o acaso no exame. "Tive 50% de sorte na prova. Aqui na Bolívia se faz muita prática, desde o primeiro ano se começa a fazer estágios nos hospitais públicos. Mas a parte teórica é falha. Quando fui fazer o teste, tive problema com os nomes técnicos, pois na Bolívia é um e no Brasil, outro. Além disso, não temos algumas matérias, como Sistema Único de Saúde (SUS)".

  Sorte ou não, ela conseguiu o registro. E, com família constituída na Bolívia, se preparou para voltar ao país. Mas não sem uma parcela de dúvida. "Fiquei entre a cruz e a espada. Poderia voltar ao Brasil, ganhar mais, mas meu marido é médico, já tinha estabilidade e não me acompanharia imediatamente na mudança. No Brasil se trabalha muito, é plantão de segunda a segunda. Se eu voltasse, estaria ganhando muito dinheiro e talvez não tivesse nem começado minha especialização. Aqui não me falta nada. Tenho minha casa, carro novo, sítio, minha mãe mora aqui, minha filha não estuda na pior escola de Santa Cruz. Por isso não penso em regressar rápido. Estou feliz sendo médica na Bolívia", relata Rafaela.

  A brasileira, que está terminando uma especialização em medicina legal e leciona esta disciplina em universidades no curso de Direito, reforça que uma família vive muito bem com cerca de US$ 2 mil em Santa Cruz. "Temos uma lei chamada Financial, que estabelece o teto salarial do funcionário público em 15 mil pesos bolivianos (cerca de R$ 5 mil), que é o salário do presidente Evo Morales. Meu marido dá aulas na universidade e eu trabalho no hospital. Juntando os salários o valor não pode passar deste teto. Mas ele faz cirurgias particulares em que tira US$ 1 mil, fazendo uma cirurgia por mês. Então, temos tudo aqui. No Brasil é mais status. Aqui, como dizem, todo mundo é doutor neste Pueblo", brinca, antes de concluir. "Mas quero morrer na minha terra. Quando vou voltar, ainda não sei".