Angela Chagas
Direto de São Luiz Gonzaga
Alexandre Coimbra Medina, 38 anos, embarcou para Havana em 1999 com o sonho de retornar à pequena São Luiz Gonzaga, no interior do Rio Grande do Sul, com o diploma de médico na bagagem. Seis anos depois, fazia parte da primeira turma de brasileiros que se formou em medicina na Universidade Latino-americana de Cuba. O objetivo estava cumprido, mas ele estava recém iniciando uma longa maratona de disputas judiciais, estudo e exames para poder exercer a profissão. "Após um tempo, decidi que não adiantava mais brigar na Justiça e tive de provar, no exame de revalidação, que eu tinha sim condições de exercer a medicina no meu País", afirma.
Quando Medina foi estudar em Cuba, o Brasil ainda permitia que estudantes formados no exterior pudessem exercer a profissão no País sem passar por uma prova de revalidação do diploma. Mas isso mudou pouco tempo depois, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. "Quando retornei, em 2005, consegui liminar na Justiça para poder trabalhar. Mas, depois de dois anos, a liminar caiu. Tentei recorrer, mas chegou um ponto que não deu mais", disse. O médico, então, foi fazer o exame de revalidação, uma prova aplicada pelas universidades federais para testar se os graduados fora do Brasil estão aptos para exercer a profissão. Não passou. Ficou um ano sem trabalhar, apenas estudando, e fez o teste de novo, desta vez com resultado positivo.
Medina fez a revalidação do diploma na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá. "Fui até lá porque é mais organizado, aplicam uma prova um pouco mais justa, somente teórica. Em outras universidades, as provas são para rodar mesmo, porque além da prova teórica, tem uma prática e ainda fazem uma entrevista". Segundo ele, a unificação dos exames de revalidação, adotado pelo governo federal a partir de 2010, ajuda a evitar "abusos" cometidos pelas universidades. "Acho que melhorou, mas ainda há muito interesse em dificultar a entrada desses profissionais no Brasil", critica.
Enquanto o Conselho Federal de Medicina defende que os médicos formados em Cuba não têm preparo para trabalhar com a realidade brasileira, Medina diz que existe muito preconceito com o ensino na ilha caribenha. "A medicina lá é voltada mais para a prevenção, mas ao contrário do que dizem, o ensino é muito semelhante ao que é feito aqui no Brasil. Tínhamos aula de segunda a sexta, de manhã e à tarde. Nos dois primeiros anos era mais teórico, com disciplinas em sala de aula. No terceiro ano fomos para outra cidade, no meio da ilha, trabalhar já com aulas práticas, dentro do hospital", afirma.
"Professor é igual em qualquer lugar"
Alexandre Coimbra Medina, médico
Segundo o médico, a maior diferença entre os dois países está na estrutura dos hospitais. "Aqui no Brasil temos muito mais estrutura para exames e cirurgias, mas na parte do estudo não. Professor é igual em qualquer lugar", disse. Apesar disso, ele afirmou que em Cuba todos os pacientes são tratados da mesma forma. "Lá todo mundo recebe atendimento gratuito, sem distinção. Não existe essa história de receber tratamento diferenciado porque tem plano de saúde, é tudo por conta do governo. É um SUS para todo mundo, mas melhorado, porque todos são atendidos".
Medina contou ainda que não sentiu nenhuma dificuldade em trabalhar no Brasil. "O único problema foi me adaptar à rotina burocrática do hospital, como encaminhar pedidos de exame,
verificar todos os formulários que precisam ser preenchidos. Isso me atrapalhou um pouco nos primeiros dias, mas me acostumei. Foi muito tranquilo", diz ao destacar que nunca sentiu que sua formação estava aquém das necessidades dos pacientes. "Um bom profissional depende da pessoa, não interessa se estudou nos Estados Unidos, na Inglaterra ou em Cuba. Se o cara é dedicado, preparado, vai fazer um bom trabalho. Não acho que uma prova vai mudar isso".
Formado em Cuba, Medina estranhou a burocracia dos hospitais brasileiros
Crédito: Angela Chagas
Mais de 600 brasileiros fazem medicina em Cuba
Segundo a embaixada de Cuba no Brasil, 651 brasileiros estudam medicina na ilha de Fidel Castro. Para conseguir uma bolsa, basta ser indicado por um partido político ou a uma organização não governamental, ter menos de 25 anos, ter concluído o ensino médio e ser de família de baixa renda. Para quem não sabe falar espanhol, o governo cubano oferece um curso intensivo na chegada ao país. Além de o curso ser totalmente gratuito, os estudantes ganham moradia e alimentação.
Medina chegou a Cuba quando tinha 25 anos, logo após a criação da Escola Latino-americana de Medicina (Elam), na capital Havana. Na primeira turma, eram 60 brasileiros. "Tinha gente ligada ao PT, PSDB, todos os partidos", disse o médico, que ganhou a bolsa por meio da Central dos Movimentos Populares (CMP). "O convite foi feito a uma amiga minha, mas ela tinha mais de 25 anos e também não tinha interesse de estudar medicina. Foi então que o telefone da minha casa tocou e eu não pensei duas vezes". Medina vivia com a mãe, uma professora, não tinha emprego fixo e viu na viagem a Cuba uma oportunidade de mudar de vida.
De acordo com ele, dos 60 brasileiros que partiram para Cuba em 1999, 44 terminaram o curso. "Alguns desistiram porque não se acostumaram com a distância da família, com uma realidade diferente. Mas eu sabia que aquilo era importante para mim. E foi uma experiência incrível, poder conviver com pessoas de diferentes países e aprender a valorizar o paciente como ser humano, isso é muito forte lá, saber ouvir o que ele diz, e atender a todos, sem distinção", completou o clínico geral.