74 Caso Knut: animais podem pressentir doença e rejeitar filhotes?

Muitos fãs de Knut, que ficou famoso no mundo inteiro após ser abandonado pela mãe, ficaram de luto com a morte prematura do urso polar, com apenas quatro anos - a expectativa de vida da espécie é de 35 anos. O zoológico de Berlim, na Alemanha, divulgou nesta semana o resultado da autópsia no animal, que indica que ele sofria de "anomalias cerebrais". Diante disso, muitas pessoas sugeriram que a mãe de Knut poderia ter "pressentido" a doença e por isso abandonou o filhote. Mas será que isso é possível?

O biólogo do Parque Zoológico de São Paulo Cauê Monte Chelli afirma que Knut pode, sim, ter sido abandonado por causa de uma doença. "Cientificamente não temos como concluir isso. Mas, pela prática, pela experiência com diversas espécies, podemos dizer que isso pode, sim, ter acontecido", diz.

Segundo o especialista, muitas fêmeas abandonam ou matam suas crias porque elas não conseguiriam sobreviver por muito tempo em condições naturais. "Quando elas vêem que o filhote não vai vingar, elas comem ou abandonam. Isso acontece com diversas espécies, inclusive com animais domésticos", afirma o biólogo. "Muitas vezes, a mãe sente que o filhote não tem como viver no ambiente, que ele poderia atrair outros predadores e prejudicar a sobrevivência."

Para a veterinária Maria do Carmo Both, da Fundação de Zoobotânica do Rio Grande do Sul, é difícil precisar a causa do abandono do urso Knut. Mas ela afirma que, quando um filhote não evolui como os outros, é comum que a mãe rejeite. "Ela (a mãe) percebe que não vale a pena investir todo o seu esforço nele, só em quem tem possibilidade de desenvolver."

Cauê explica que outra importante causa do abandono dos filhotes é o convívio em cativeiro. "É muito mais fácil a fêmea abandonar a cria em cativeiro do que na natureza. Isso porque, por mais que a gente tente preservar ao máximo as condições ideais, não é a mesma coisa. O confinamento provoca picos de estresse nos animais, o que pode levar ao abandono."

De acordo com ele, alguns animais acabam se sentindo entediados no cativeiro. "Por isso tentamos ao máximo promover atividades para que eles se movimentem e se sintam envolvidos com alguma coisa, como escondendo a comida para que eles procurem", diz.

O biólogo afirma também que é preciso aflorar nos animais comportamentos que eles têm quando são livres. "Precisamos envolver eles em atividades que amenizem esse comportamento de estresse", explica.

Cauê cita como exemplo de abandono uma fêmea de gato do mato, chamada de Luiza, que já teve diversos filhotes e acabou matando todos. "De manhã, encontramos as crias mortas fora do abrigo, com machucados."

Segundo ele, não é possível dizer quais são as causas do comportamento da mãe, mas várias tentativas para minimizar os problemas do confinamento são tomadas para que isso não ocorra mais.

Maria do Carmo diz que no zoológico se evita ao máximo criar os filhotes sem a mãe. "A gente trabalha para que a fêmea cuide das crias, mas quando acontece de ela machucar, ou simplesmente não cuidar, precisamos tratar 'na mão'. Só que sabemos dos problemas que teremos no futuro."

Ela aponta a dificuldade de adaptação com os animais da mesma espécie como um dos principais problemas do convívio dos filhotes com os humanos. "Eles acabam assumindo o comportamento dos tratadores e não querem conviver com a espécie, agem como se fossem humanos", diz.

O biólogo do zoológico de São Paulo concorda que o contato com os criadores dificulda o desenvolvimento dos filhotes com os demais membros do grupo, mas defende a ação quando não há formas de promover o convívio com a mãe. "Tentamos estimular esse contanto, mas quando ele não se efetiva a única forma de garantir a sobrevivência da cria é permitir o auxílio dos tratadores. Temos vários animais que cresceram assim e vivem bem", afirma.


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